Voo entre a Base Frei e Punta Arenas
Estamos a voar sobre a Passagem de Drake num BAE146 da DAP que leva pessoal de diferentes programas científicos: búlgaro, chinês, espanhol, russo... e português, está claro. Viajam ainda no avião alguns turistas que fizeram uma visita de poucas horas à ilha de King George, aproveitando alguns lugares disponíveis no voo. Estão comigo o Jim e o Marc. O Ivo, o Alberto e o Gabriel ficaram na ilha Deception. Dirigimo-nos a Punta Arenas, na Patagónia Chilena, cidade a 1500 km da Antárctida, onde voltaremos a encontrar-nos com a civilização.
A campanha, para nós, chegou ao fim. Os últimos dias foram de trabalho muito intenso e foi impossível conseguir algum tempo para escrever para o blogue. Trabalhámos sem parar de manhã até à noite e as condições meteorológicas não ajudaram nada. Nas quase duas semanas passadas na base bulgara tivemos quase sempre temperaturas de cerca de +2ºC e uma chuva constante e irritante que limitava o uso do equipamento científico e nos deixava literalmente ensopados.
Os trabalhos principais foram todos realizados, embora não tenhamos conseguido ter tempo para algumas das actividades planeadas. Acordávamos às 7h30-8h00 e trabalhávamos normalmente até às 20h00. Depois de jantar, voltávamos a trabalhar mais cerca de 2h00. Ainda não sabemos porquê, mas este ano havia mais neve do que o normal na área da base búlgara. No entanto, a cerca de 2km de distância na àrea da base espanhola, a neve estava próxima do normal. Pensamos que foram as condições locais na base bulgara, que tem um glaciar a cerca de 200m e um regime de vento diferente do normal que deve ter produzido esta acumulação excessiva de neve. O vento, ao varrer o glaciar foi redistribuindo a neve para as áreas mais baixas. Nas àreas sem glaciares a barlavento, esta alimentação anómala de neve não se verificou e o terreno ficou livre de neve mais cedo. O excesso de neve causou-nos bastantes dificuldades, pois para nos deslocarmos tivemos que usar motos de neve quase todos os dias e as viagens mais curtas, a pé, na neve, demoravam muito mais tempo que o normal.
No dia 30 começámos a arrumar parte do equipamento, deixando de parte apenas aquilo que iamos precisar nos dois dias seguintes. Em duas viagens de zodiac, nos dias 31 e 1, transportámos quase tudo para a base espanhola, onde metemos tudo em caixas maiores para depois serem transportadas no Las Palmas para Lisboa. Só voltaremos a vê-las em finais de Abril, sendo depois necessário desempacotar tudo, limpar e verificar se está tudo funcional. Nos nossos computadores portáteis e discos externos, transportamos os dados recolhidos na campanha. Registos meteorológicos, dados GPS, dados de estação total, dados de temperaturas e resistividade do permafrost, amostras de solo, e muitas fotografias são os resultados brutos de cerca de 5 semanas de trabalho na Antárctida. Agora falta analisá-los, tarefa que nos vai levar vários meses.
Talvez o momento mais impressionante da campanha tenha sido quando, depois de levarmos as caixas à base espanhola, no dia 1, termos decidido ir dar um pequeno passeio de Zodiac na South Bay. O objectivo era aproximarmo-nos do glaciar que, com uma frente escarpada de gelo de cerca de 30m, se vai desfazendo em desabamento enormes para dentro da baía, com sons semelhantes a uma trovoada. A paisagem em South Bay é extraordinária, com glaciares em todo o redor e ao fundo, com os incríveis Montes Friesland, só visíveis nos raros dias de sol e que sobem 1700 metros acima do mar. Mas o melhor, estava para vir. Baleias, que este ano quase não tinhamos observado, encontravam-se na baía. Pelo menos duas, enormes baleias de bossas nadavam e alimentavam-se de krill no interior da baía. Desde a minha primeira campanha em 2000 que não me tinha aproximado tanto das baleias. É incrível vê-las de perto e ouvi-las expelir enormes jactos quando vêm à superfície respirar. Foi mais um momento mágico que a Antárctida nos ofereceu antes da despedida.